Já caminhando para o terceiro mês da pandemia do COVID-19, alguns países começam a planejar a retomada da “vida normal”, discutindo o fim ou afrouxamento das restrições. A doença, que em pouco mais de 90 dias após o seu primeiro caso fora da China infectou mais de 4,5 milhões de pessoas em 186 países, provocou um tsunami de mudanças mundo afora: quarentenas, lockdown, distanciamento social, home-office, fechamento de indústrias, escolas, shoppings, comércio e restaurantes.
Há um consenso, porém, entres especialistas de diferentes áreas, desde filósofos a epidemiologistas, de que esse “normal” não será como antes e muito se fala em um “novo normal” pós-pandemia. Nosso cotidiano será muito diferente em seus aspectos mais básicos, como trabalho, consumo, educação, turismo e entretenimento. A pandemia poderá ter um efeito catalizador, acelerando mudanças e tendências. O setor elétrico, obviamente, não ficará de fora. Neste texto, discutiremos possíveis mudanças no consumo de energia e o impacto delas no mercado de energia e seus consumidores, tendo como base algumas das características deste “novo normal” .
1. Home-office aumenta o consumo doméstico de energia. No mês de março, milhares de empresas no Brasil migraram, às pressas, para o home-office. Dois meses depois, um estudo realizado pela FGV apontou que aproximadamente 30% das empresas devem continuar com seus colaboradores em home-office mesmo após a estabilização dos casos de COVID-19. Ou seja, o que começou como uma imposição pode se tornar um novo padrão. Para o mercado de energia, essa é uma grande mudança. Como será o impacto do aumento no consumo de energia residencial? Será que passaremos a olhar com mais atenção para a nossa conta de consumo de energia, procurando novas tecnologias para entender nosso consumo ou mesmo buscar fontes alternativas de fornecimento? Nossa aposta é que sim.
2. Energia solar e geração distribuída em alta. Para muitos consumidores, certamente, a resposta ao item anterior será a instalação de painéis solares. Se antes, o retorno de tal investimento para uma residência vinha entre 2 e 4 anos, com um consumo doméstico maior, esse custo se amortizará mais rápido. O barateamento dos painéis também contribui para esse movimento. A Tesla, de Elon Musk, anunciou nos EUA seus primeiros lotes-piloto de telhas-solares que são mais baratas do que as comuns. Desde 17 de abril de 2012, quando entrou em vigor a Resolução Normativa ANEEL nº 482/2012, o consumidor brasileiro pode gerar sua própria energia elétrica a partir de fontes renováveis, como os painéis solares. Ano a ano, crescem os consumidores que aderem à chamada Geração Distribuída (GD), ou seja, aquela que não é gerada em grandes usinas. No mundo pós-Covid-19, essa tendência poderá ser acelerada. Outra tecnologia que o aumento do uso de GD poderá trazer consigo será a de baterias, ainda pouco adotada devido aos altos custos de aquisição, elas vêm sofrendo alterações em sua composição e ajudarão na intermitência das fontes renováveis.
3. Prosumidor e contratos via blockchain. Hoje a legislação brasileira permite que o consumidor que gere sua energia através de painéis solares venda o seu excedente para a própria concessionária distribuidora, obtendo descontos nas próximas faturas. Este novo consumidor tem sido chamado de prosumidor, pois ele ao mesmo tempo produz e consome energia (em inglês este termo é conhecido como prosumer). O crescimento dos prosumidores, no entanto, poderá pressionar o sistema a permitir novas relações até pouco tempo atrás inimagináveis. Por exemplo, imagine um consumidor que constantemente gere mais energia do que consuma e queira ceder seu excedente para um parente ou, até mesmo, vender para um vizinho. Hoje, o gerenciamento destas milhares de pequenas transações seria inviável no setor elétrico. Porém, tecnologias como o blockchain viabilizam justamente isso, contratos rastreáveis, auditáveis, seguros e processados em larga escala. Por essas características, a tecnologia pode ser a base de um mercado de peer-to-peer, onde usuários de energia elétrica realizam milhares de pequenas transações entre si.
4. IoT e medidores inteligentes aceleram sua chegada ao consumidor. A Internet das Coisas (conhecida pela sigla IOT em inglês) também já possui diversas soluções para o mercado de energia. O aumento do consumo doméstico pode impulsionar novos dispositivos tecnológicos no setor elétrico, indo além dos painéis solares. Os smart-meters, ou medidores de energia smart, devem ganhar mais mercado. Eles são capazes de não apenas medir o consumo, mas especificar quais equipamentos mais consomem, analisando custos e tarifas e otimizando a conta no final do mês. Indo além do âmbito doméstico, a tendência do setor é sofrer uma invasão de dispositivos conectados, como transformadores e torres de transmissão, capazes de entender o seu ambiente e se comunicar de forma autônoma com a rede.
5. Novos entrantes no Mercado Livre. Em entrevista recente, Frederico Rodrigues, vice-presidente da Abraceel (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia), declarou ao Estadão que o mercado livre de energia está mais atrativo para novos entrantes devido aos preços de energia, especialmente para consumidores que desejam firmar contratos de longo prazo. Hoje temos o limite mínimo de 500kw de consumo mensal para que uma unidade consumidora possa ingressar no Mercado Livre de Energia. A tendência é que essa barreira de corte caia ao longo do tempo, chegando ao nível de consumo residencial. Estaríamos caminhamos para um futuro em que poderíamos escolher de quem comprar energia assim como escolhemos o provedor de internet?
Uma vez que os consumidores assumem o controle sobre seu consumo e fornecimento de energia, eles não apenas contribuem com o meio-ambiente, já que as principais tecnologias de geração distribuídas são renováveis, mas também economizam. Com a evolução destes cenários, é provável que o armazenamento de energia forme redes descentralizadas, impulsionadas por decisões de energia do consumidor.
A grande maioria das análises sobre os impactos da Covid-19 no setor elétrico se atém aos prejuízos que a pandemia trouxe ao setor, devido à abrupta mudança nos padrões de consumo impostas pelas medidas que visavam a mitigação dos efeitos da doença. Porém, é importante estarmos atentos a contextos mais amplos, para que possamos entender melhor os desafios e oportunidades que emergirão após o término da pandemia. Para acompanhar as análises exclusivas da Stima para o setor elétrico, não deixe de acompanhar os artigos que publicamos em nosso site.
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