#SemCaronaNoCorona

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O Mercado Livre de Energia só pode ser considerado livre quando a liberdade vem associada a responsabilidade. Liberdade de escolha com quem se quer negociar energia e em quais termos e condições. Responsabilidade quanto aos controles e a gestão de riscos em um ambiente muitas vezes inóspito para a monotonia e altamente volátil.

A classificação do Covid-19 como pandemia pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e a declaração de estado de calamidade publica pelo Congresso Nacional escancararam a gravidade da atual situação e deram margem para interpretação das cláusulas de caso fortuito e força maior nos contratos de energia elétrica por consumidores, geradores e distribuidores.

Embora o lockdown afete diferentemente diversos setores da economia, houve quase que uma generalização de pedidos de renegociação de contratos, antes mesmo de comprovado prejuízo. Agentes pouco impactados pegaram carona no Corona e usaram o argumento de prevenção e cautela para enviar notificações ao mercado.

Por mais que estejamos em uma situação de extrema gravidade, isso por si não evidencia a possibilidade de descumprimento das obrigações contratuais. Os contratos de ACL e ACR são muito diferentes, sendo que este depende da Aneel arbitrar se é Força Maior ou não. Os contratos de ACL possuem cláusulas com redação específica e livremente pactuada entre as partes, cabendo, portanto, a elas a negociação e execução conforme boas práticas comerciais.

Usualmente, os gatilhos previstos em contratos que disparam um Evento de Força Maior envolvem a questão da imprevisibilidade e inevitabilidade dos fatos e depende de uma comprovação de que existe a impossibilidade de cumprimento das obrigações contratuais, demonstrando a relação de causa entre o fato citado e a suposta incapacidade das obrigações contratuais, ainda que temporariamente. Todas notificações que circularam o mercado falham neste ponto.

Outro ponto questionável é a confusão entre o que é Evento de Força Maior e excesso de onerosidade. O mercado de eletricidade é peculiar ao ter na CCEE um comprador (ou vendedor) de energia de última instância, isto é, caso o agente sobre (ou falte) com energia para fechar seu balanço, ele pode liquidar sua posição contra a CCEE. A Abraceel emitiu uma nota em que deixa claro porque trata-se de onerosidade excessiva: “Cabe ressaltar que caso o PLD estivesse acima do preço do contrato, dificilmente haveria denúncia de contrato, já que a sobra de energia seria liquidada gerando resultado positivo para o agente no Mercado de Curto Prazo – MCP no âmbito da CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica)”. O fato de que a receita oriunda dessa liquidação seja superior ou inferior ao preço contratado originalmente é irrelevante para fins de caracterização de força maior, sendo um típico evento de mercado, cujos riscos são conhecidos e são assumidos pelos agentes de mercado.

Em se tratando do contrato de ACL, a solução envolve a negociação direta entre as partes. É de nosso conhecimento que alguns vendedores estão aceitando faturar apenas o consumido e transferindo a perda financeira para outro momento futuro, com ajuste de preço e/ou volume contratado. Nesta negociação, o vendedor da energia ajuda o caixa da compradora e mantém o contrato vigente em um acordo amigável.

No ACR, a inadimplência e a sobra involuntária de contratos trouxe problemas de duas ordens: de caixa e de equilíbrio econômico. A solução do caixa foi direcionada na MP 950, recém publicada, que destina R$ 900 milhões do Tesouro para cobrir a isenção da tarifa para o baixa renda e a reedição da conta ACR, que possibilita a CCEE a tomar financiamento no mercado e repassar para as distribuidoras. No que tange ao equilíbrio econômico da concessão, a solução pode estar mais distante porque passa pelo regramento da revisão tarifária com discussões sobre o WACC regulatório, nível de perdas comerciais, provisão de devedores duvidosos, dentre outros.

O momento é de atenção no setor com potenciais desdobramentos na cadeia de pagamentos e financiabilidade da expansão. Os PPAs (contratos de compra e venda de energia) de distribuidores de energia sempre foram os melhores recebíveis do mercado. Com eles o acesso ao mercado de capitais era garantido e conseguia-se alavancar projetos de geração nos leilões com uma tarifa atrativa para o mercado regulado. Será que veremos uma revisão neste modelo de financiamento?

É preciso zelo ao analisar soluções para a crise do Covid-19. O mercado está cheio de soluções simples para problemas complexos que podem levar a desarranjos futuros. Medidas devem ser meticulosamente planejadas no ACR e, no ACL, os agentes devem resolver suas diferenças com base na negociação.

Neste momento de estresse contratual temos que cuidar para que as soluções não acarretem em uma injusta transferência de riscos entre os diversos segmentos da cadeia de valor do setor elétrico, algo que poderia levar a disputas judiciais e enrolar ainda mais a modernização do setor.