Um estudo divulgado no ano passado (2019) pelo Banco Mundial revelou que 13% da população mundial não tem acesso à energia elétrica. No Brasil, cerca de 1 milhão de pessoas se encontram nessa situação, sendo grande parte delas na região amazônica, conforme aponta um levantamento realizado pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente – IEMA. Aspectos financeiros e de poder aquisitivo das famílias que vivem em situação de pobreza são um dos motivos que implicam na inacessibilidade à energia elétrica.
Nos últimos meses, a inadimplência do setor elétrico saltou de 3% para 12%, segundo o Ministério de Minas e Energia, diante do cenário de crise econômica decorrente da pandemia de Covid-19 e da normatização que impede cortes de energia por falta de pagamento. Essa e outras consequências da redução da atividade econômica por conta do coronavírus, como a queda da demanda por energia, justificaram a criação da chamada conta-Covid, um socorro de até R$ 16,1 Bilhões às distribuidoras de energia, a porta de entrada de recursos do setor elétrico.
Com base nesse cenário, surge a questão: a energia elétrica é cara no Brasil? Neste artigo, trataremos sobre o impacto financeiro do valor da energia para consumo doméstico no Brasil, os rendimentos no setor elétrico, flutuação cambial e outros aspectos que nos ajudam a compreender quais são os elementos que compõem o valor da energia elétrica e o peso desta conta na renda das famílias no país.
No início deste ano, para desconstruir a visão simplificada e certos estereótipos que desconsideram a complexidade por trás da formação do preço da energia, o Instituto Acende Brasil publicou um white paper que trata sobre a evolução das tarifas de energia elétrica e a formulação das políticas públicas.
A conclusão do estudo, ao comparar dados elaborados pela Global Petrol Prices, foi de que a energia no Brasil é 37ª mais cara do mundo, em um ranking com 110 países, com um custo de US$ 0,18 por Kwh. Bélgica, Dinamarca, Alemanha e Bermudas possuem as tarifas mais altas, com mais de US$ 0,30 por Kwh. Birmânia, Egito, Irã e Catar têm um custo inferior a US$ 0,05 por Kwh. O Brasil fica à frente da Argentina, China, Índia e México (US$ 0,08), Coréia do Sul (US$ 0,11), Estados Unidos (US$ 0,14) e da maioria dos países em desenvolvimento. Por outro lado, a maioria dos países europeus possuem tarifas mais caras que a nossa.
O documento apresenta vários dados, como a evolução dos preços da tarifa de energia em comparação com os índices de inflação. Entre 2010 e 2019, a conta de luz aumentou 68,56%, enquanto o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) cresceu 68,71%. Outro dado interessante trazido pelo estudo foi a distribuição do dinheiro no setor. As empresas de transmissão são as que possuem a menor parcela, em 2010 era de 8,2% e em 2019 foi reduzida a 6,8%. Já as de distribuição caiu de 36% em 2010 para 28% em 2019. O único segmento que aumentou foi o de geração, de 33% para 44% nesse mesmo período. O motivo do aumento foi a estiagem e acionamento de usinas termelétricas para suprir a falta de geração hídrica.
Comparativo Tarifas Residenciais, segundo Instituto Acende
Um ponto rebatido pelo white paper é a acusação de que empresas de energia têm obtido lucros abusivos. Uma análise realizada pela KPMG apontou que o valor econômico agregado de 47 empresas de energia – entre geradoras, transmissoras e distribuidoras – no período de 2011 a 2018, foi negativo em R$ 145,3 bilhões. O valor econômico agregado corresponde ao retorno líquido da empresa, considerando não apenas o lucro operacional, mas também o custo de oportunidade do capital imobilizado. No período analisado, o único ano azul foi 2016, quando as empresas de transmissão foram ressarcidas pela União pela reversão de ativos ainda não depreciados ou amortizados. Com base nestes dados, o estudo afirma que o retorno das empresas do setor elétrico brasileiro tem sido inferior ao custo de capital regulatório.
A tarifa média residencial de energia é composta por cinco fatores: geração, distribuição, transmissão, perdas e encargos. Em dezembro do ano passado (2019), segundo a ANEEL, a composição desse valor era, em média, 44% para cobrir os custos de geração, 28% para distribuição, 7% para transmissão, 10% para perdas e 11% para encargos (taxas utilizadas para manutenção de instituições como ANEEL, EPE e o ONS e para criação de políticas públicas). Contudo, note que o rateio apresentado no estudo não inclui o principal item da tarifa, os impostos, que incidem ao longo de toda a cadeia. Somente o ICMS do Rio de Janeiro pode chegar a ser responsável por 32% do valor da conta de luz, 30% em Minas e Rio Grande do Sul e 25% em São Paulo. Compondo os impostos nos números da Aneel de 2019, vemos que a maior parte da conta de eletricidade das famílias é composta de impostos e encargos, 42,6% (ICMS RJ) e 36,7% (ICMS SP), por exemplo.
Polêmicos, os subsídios do setor elétrico também contribuem para a composição do valor da conta de energia. Em 2020, os consumidores podem ter que pagar até R$ 20,6 bilhões para cobrir esses incentivos. Esses recursos são utilizados para custear políticas públicas do setor elétrico como descontos tarifários para famílias de baixa renda, compra de combustível para geração de energia em regiões isoladas, incentivos para fontes alternativas, como eólica e solar, além de incentivos setoriais, como para agricultura.
Assim como grande parte da indústria, o setor elétrico também foi severamente afetado pela pandemia ocasionada pelo Covid-19. Dada a redução no consumo e a maior inadimplência de clientes, o governo estruturou um grupo de bancos que providenciará empréstimos de até R$16,1 bilhões às distribuidoras de energia, que deverão ser quitados em cinco anos com repasse de custos aos consumidores. Somados a outros incentivos, como os subsídios, esses custos impactam diretamente na conta de energia.
Todos esses dados, embora tracem um panorama importante do setor elétrico no Brasil, não respondem de forma completa à pergunta que intitula este artigo. Afinal, a comparação de preços entre países é sempre um grande desafio, dada às diferenças de renda, matriz energética, câmbio e políticas econômicas de forma mais ampla.
Voltando para o setor elétrico, não há um estudo específico que enfatize o real valor de forma proporcional à renda das famílias. No entanto, acontecimentos como flutuações na cotação do dólar podem fazer com que a energia brasileira fique mais barata quando comparada a outros países, mesmo sem apresentar um menor custo para a população brasileira.
Uma forma de tentar entender o assunto de forma mais aprofundada pode ser com base em uma análise de quanto o custo da energia representa no orçamento das famílias. Segundo dados do IPCA, de fevereiro de 2020, o grupo de energia elétrica residencial representa, em média, 4,3% na renda do brasileiro. Porém, esse valor varia para cada região do país. Em Belém, ele representa 7,18%, no Rio de Janeiro, 5,49%, em São Paulo, 3,78% e no Distrito Federal “apenas” 2,67%.
Nos Estados Unidos, o site Electric Choice comparou o gasto em energia nos diferentes estados do país, em 2016. Em média, o consumidor americano gasta 2,15% de sua renda mensal com a conta de luz, o que é a metade do que o brasileiro gasta. O isolado Havaí é o estado com a energia mais cara do país, representando 4,5% do orçamento familiar do havaiano.
Na Inglaterra, o Office of Gas and Electricity Markets, instituto independente que produz estudos para o consumidor do Reino Unido, calcula que, em 2018, o britânico médio gastou 4% de seu orçamento com a conta de luz. No entanto, o órgão detalha que esse custo varia conforme a fatia de renda da família. Para os 10% mais ricos, o custo da energia representa 2,6% do orçamento, enquanto para os 10% mais pobres, a energia custa 8,4% do orçamento.
Esse número é, em tese, validado pela composição do IPCA no Brasil. Em Brasília, cidade que possui o maior PIB per capita dentre as 9 que compõe o IPCA, o gasto com energia representa apenas 2,6% do orçamento familiar. Enquanto Belém, a cidade com menor PIB per capita do grupo, o custo da conta de luz representa 7,18%.
Inserindo no contexto da análise sobre o custo da energia, podemos dizer que: 1) a conta de energia no Brasil pesa o dobro na renda das famílias quando comparado com os EUA; 2) em se comparando com países emergentes, nossa conta de luz é a mais cara, conforme dados do Global Petrol Prices. Assim, podemos afirmar que a energia no Brasil é sim cara, afinal ela ocupa um espaço maior no orçamento familiar do que em outros países e, em valores absolutos, é mais cara do que países com perfil demográfico e econômico similares ao nosso, como México, Argentina e outros emergentes.
Disso, podemos tomar dois caminhos, ou fazemos com que as famílias aumentem a sua renda, sem, contudo, aumentar a despesa com energia, ou trabalhamos na redução do custo da energia na renda do brasileiro. Nossa visão é que o aumento de renda das famílias pode acontecer justamente com um choque de energia barata. Devemos combater com todas as forças aspectos que contribuem para uma conta de luz cara no Brasil, tais como: 1) as contas de subsídios, para mostrar o correto sinal econômico do produto para uma maior eficiência na produção e correta alocação de custos por parte dos consumidores; 2) a interferência de grandes grupos nas agências reguladoras, para manter a correta independência e busca por eficiência em preço e qualidade nos monopólios das concessões e; 3) o uso da tarifa como instrumento de política social e/ou distributiva entre Estados, os impostos incidentes na tarifa são regressivos (oneram igualmente em termos percentuais o grande e o pequeno consumidor independente da renda).
Estes pontos certamente fazem parte de uma agenda moderna para o setor elétrico e contribuem para a transparência do custo de energia para o consumidor brasileiro.
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