Decreto de ajuda ao setor elétrico adia reajuste na tarifa de energia

CCEE divulga um crescimento de 23% no número de consumidores do mercado livre
20 de maio de 2020
Aneel recomenda livre negociação de contratos de demanda por distribuidoras
20 de maio de 2020

A ajuda ao setor elétrico deve adiar a necessidade de reajuste nas tarifas de energia. Na noite da segunda-feira (18/5), o governo publicou decreto que regulamenta a Medida Provisória 950/2020, em edição extra do Diário Oficial da União (DOU). O socorro pode chegar a R$ 14 bilhões para evitar um rombo no caixa das distribuidoras, uma vez que a inadimplência saltou de 3% para 12%, depois que a MP isentou os consumidores de baixa renda de pagarem a conta de luz durante a pandemia do novo coronavírus. As concessionárias também tiveram perda de receita com a queda na demanda por eletricidade.

O objetivo do decreto nº 10.350 é minimizar os efeitos da crise sobre o setor como um todo, explicou Mario Menel, presidente do Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase). Segundo ele, a regulamentação sinaliza uma divisão de responsabilidades, diferente das ajudas anteriores às distribuidoras, quando toda a conta recaia aos consumidores. “Ficará a cargo da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) definir quanto será absorvido pelas empresas e quanto será pago pelos consumidores. Foi uma divisão mais justa”, avaliou.

Segundo o Ministério de Minas e Energia, “a MP 950 viabilizou a isenção de pagamento para consumo até 220 kWh/mês aos consumidores beneficiários da tarifa social, por três meses, e instituiu as bases para estruturação de uma operação de crédito que provesse recursos ao setor, no atual momento em que o consumo de energia diminuiu, os níveis de inadimplência dos consumidores aumentaram, e existe uma cadeia de contratos que continuam sendo honrados, para manter a sustentabilidade do setor elétrico.”

Apesar de o governo não ter divulgado o valor dos empréstimos, que serão capitaneados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), junto ao sindicato dos bancos, Menel estima algo em torno de R$ 14 bilhões. “A necessidade é bilionária. O faturamento do setor é de R$ 240 bilhões por ano e há uma inadimplência que chega a 12% e queda de carga de 15%. Os números são altos porque as perdas são superiores a R$ 10 bilhões”, explicou.

Segundo Menel, está para sair uma nova medida provisória para dar um comando legal de uso dos fundos setoriais, como Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), Proinfra e de eficiência energética, para abater a conta a ser paga pelas empresas e pelos consumidores. “Esses fundos têm alguns recursos de destinação específica, mas a ideia é poder usar essa poupança e direcionar para dentro da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético, onde estão concentrados os principais encargos do setor elétrico) para reduzir a necessidade do empréstimo bilionário. Os fundos devem ter algo como R$ 5 bilhões, e esse valor pode ser abatido dos R$ 14 bilhões”, disse.

Fabio Izidoro, especialista na área de energia do Miguel Neto Advogados, a lógica do sistema elétrico, desde sempre, é que o consumidor pague a conta. “Ou a gente paga como consumidor ou como contribuinte. Melhor que seja como consumidor porque os grandes pagam a parte deles e os pequenos proporcionalmente. Fica mais equilibrado”, opinou. “Há alguns cuidados no decreto. A mensagem do governo é bem clara: vou dar a mão para quem precisa mas não nos usem como fonte de distribuição de dividendos”, ressaltou.

Segundo o especialista, o decreto empurra o ajuste da conta para o ciclo tarifário de 2021. “Todo o custo migraria para a conta agora, houve uma tentativa de evitar uma bola de neve maior neste cenário de pandemia”, explicou.

Repercussão

Na opinião de Rebecca Maduro, sócia da área de energia do L.O. Baptista Advogados, um dos pontos de inovação do decreto inova em relação à conta ACR (criada em 2014 também para socorrer as distribuidoras ) é que o empréstimo não será pago só pelo consumidor. “As próprias concessionárias vai arcar também. E os consumidores cativos que fizerem a migração para o mercado livre vão carregar consigo os custos”, detalhou.

Conforme a especialistas, muita coisa ainda depende da Aneel. “A agência precisa definir como serão operacionalizados vários detalhes, como o tratamento de inadimplência e a apresentação de garantias. Apesar de ter demorado um pouco para chegar — havia muita expectativa –, não surpreendeu e veio a contento, com o objetivo de que manter o segmento de distribuição saudável para garantir os repasses aos outros elos da cadeia”, opinou.

Para Charles Lenzi, presidente da Associação Brasileira das Geradoras de Energia Limpa (Abragel), o decreto é uma medida fundamental para todo o setor. “A Abragel sempre apoiou a ideia de uma injeção de liquidez no caixa das distribuidoras tendo em vista seu papel estrutural. O decreto também fortalece as premissas de respeito aos contratos”, opinou.

Alexei Vivan, presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (ABCE), disse que vê com bons olhos o decreto. “As distribuidoras tiveram brusca redução do seu mercado consumidor, coordenada pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), que não foi criada com essa finalidade. Mas a situação extrema e fora de parâmetros autoriza a adoção dessa medida. Foi uma forma de os bancos se sentirem confortáveis em dar empréstimos às distribuidoras”, ponderou. Vivan estima que o valor fique em torno de R$ 15 bilhões. “Isso não foi definido ainda. A medida dá tranquilidade ao mercado”, comentou.

Na opinião de Henrique Casotti, sócio da Focus Energia, o decreto traz alívio para o caixa das distribuidoras, mas alguns pontos precisam de aprimoramento. “Como será tratado o excedente (de energia), já que o decreto determina que a sobrecontratação (compra de mais energia do que a necessária) é involuntária?”, indagou.

Regulamentação

De acordo com o MME, o decreto regulamentador levou mais de um mês para ser editado, em razão das principais premissas que a pasta, o Ministério da Economia e a Aneel adotaram, de evitar a contratação de recursos além dos necessários e não transferir custos ou ônus da operação a quem não se beneficiar dela. “Em razão disso, foi realizado, por semanas, um intenso e detalhado trabalho, em conjunto com a Aneel, de identificação de todos os saldos de rubricas tarifárias que pudessem ser aproveitados para reduzir o tamanho do empréstimo”, informou o MME.

Na avaliação, foram identificados os ativos das distribuidoras que serão dados em garantia da operação junto ao sindicato de bancos que captará os recursos no mercado. Esses ativos regulatórios permitirão o diferimento de parte significativa dos aumentos tarifários que ocorreriam em 2020, resultantes dos ordinários processos tarifários anuais. Portanto, adia para frente os aumentos de tarifa que seriam praticados este ano.

O decreto estende a possibilidade de postergação de pagamento inclusive para os consumidores do setor produtivo, que poderão, temporariamente, pagar apenas pela demanda verificada ao invés da contratada.” Tal possibilidade endereça não só o problema financeiro enfrentado por grandes consumidores, mas também o econômico, na medida em que evita que busquem recursos individualmente no mercado, o que comprometeria espaço em seus balanços”, justificou o MME.

Segundo a pasta, foram identificadas regras como as relativas à Pesquisa e Desenvolvimento e aos encargos setoriais, que poderão ser promovidas numa próxima fase no combate aos impactos da pandemia no setor. “Atenção às perdas econômicas que as distribuidoras podem estar vivenciando em decorrência da pandemia é também endereçada no decreto, quando estabelece que a Aneel avaliará a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro de contratos de concessão e permissão.”

“De qualquer forma, aos consumidores caberá restituir os valores apenas na proporção do benefício que lhes for auferido pela postergação dos repasses tarifários de 2020”, garantiu o MME. A operação de crédito chamada Conta-civid será de um empréstimo lastreado por ativos tarifários que transitam pela CDE, conforme autorizado pela MP 950, para viabilizar que seu custo seja mais baixo do que qualquer distribuidora ou consumidor, industrial ou não, enfrentaria se fosse captar recursos individualmente junto ao mercado financeiro.

“A Conta-covid endereça os problemas vivenciados pelas distribuidoras, ao lhes garantir recursos financeiros necessários para compensar a perda de receita temporária em decorrência da pandemia; protege o resto da cadeia setorial ao permitir que as distribuidoras continuem honrando seus contratos; e, em última instância, o consumidor final, por poupá-lo de aumentos tarifários numa conjuntura de crise mundial, de redução da capacidade de pagamento  e dos orçamentos familiares”, afirmou o MME.

Fonte: Correio Braziliense