Aspectos Comportamentais do Trading

Mercado livre de energia comenta questões de mercado que não deveriam atrasar a tramitação do novo marco elétrico no Brasil
27 de março de 2020

Você já parou para pensar na importância dos comercializadores para o mercado de comercialização de energia? Os comercializadores fomentam a liquidez do mercado de compra e venda de energia, ou seja, aumentam o volume de demanda e de oferta de mercado e estreitam a diferença de preços entre os agentes. Eles também contribuem para aumentar eficiência do mercado porque agentes com diferentes informações passam a participar e os preços passam a refletir tais informações, reduzindo a diferença entre os preços de compra e venda.

Para operar no mercado, os comercializadores assumem risco de descasamento em seus portfólios, ou seja, compram mais do que vendem ou vice-versa. Portanto, é fundamental que, além de um caixa robusto para cobrir eventuais oscilações de preço da posição exposta, os gestores tenham conhecimento sobre a formação de preço e o ambiente regulatório do setor elétrico, gestão de risco e gestão de portfolio. Neste artigo vou focar em outro conhecimento fundamental sobre gestão de portfolio, mais especificamente no aspecto comportamental da tomada de decisão de trading.

Toda tomada de decisão tem um componente racional e outro irracional. Esta verdade não vale apenas para decisões de trading, mas para qualquer escolha que fazemos na vida. Quantos donos de imóveis não recebem ofertas pelos seus ativos e deixam de vendê-los por terem um apego emocional, especialmente quando se tratam de imóveis de família? Assim como na vida real, as decisões de trading também tendem a ser influenciadas por aspectos irracionais, pelas “armadilhas” que o nosso cérebro nos prega. Hoje a Ciência Comportamental (“Behavioral Science”) já mapeou uma série destes vieses cognitivos que influenciam nossas tomadas de decisão. A seguir alguns dos mais relevantes para atividade de trading.

Ancoragem. Em muitas situações as pessoas tendem a ancorar suas decisões a números que têm pouca ou nenhuma relevância para o comportamento de preços futuros. Um exemplo típico é quando um gestor compra uma energia futura a R$100/MWh, ela chega em $160/MWh e depois cai para R$120/MWh e ele não vende porque acha que vai voltar a $160/MWh. Neste caso ele ficou ancorado em um número do passado que não necessariamente condiz com a nova expectativa futura de preço daquele produto.

Heurística de representatividade. As pessoas usam a representatividade de alguns eventos passados para atribuir probabilidades de outros eventos futuros acontecerem; e tendem a inclusive dar mais peso a eventos recentes do que a eventos passados. Por exemplo, depois de vários anos seguidos com períodos úmidos secos, o mercado tem mais dificuldade de acreditar que o período úmido seguinte será molhado. Neste caso, as pessoas tendem a dar maior probabilidade a preços altos no futuro do que a preços baixos, mesmo nos casos em que a previsão de diversos fatores – meteorologia, vazão, recuperação dos reservatórios, carga e volume de interligação –  sejam favoráveis.

Confirmação. As pessoas tendem a buscar informações que sustentem suas teorias e negligenciam as que depõem contra. Em uma reunião de portfólio tipicamente se acompanha a variação de indicadores que impactam a previsão de preço de energia e, é normal que haja uma tendência a destacar aqueles que foram a favor da posição. Cientes deste viés comportamental, os gestores devem ter a disciplina de debater todas as variáveis, independente do impacto delas na posição, e concluir o impacto de todas elas na nova previsão de preço.

Excesso de confiança. As pessoas tendem a superestimar o grau de confiança em seus conhecimentos e acabam atribuindo probabilidades erradas a ocorrência de cenários futuros nos quais elas acreditam mais. Por causa deste viés cognitivo é essencial que um gestor de portfólio teste suas convicções com pessoas de mesma senioridade. Desta forma, a maneira mais fácil de mitigar a percepção de risco retorno de uma pessoa é confrontá-la com a de outra.

Pessoas seguem pessoas. As pessoas tendem a seguir outras pessoas e muitas vezes deixam suas crenças e análises em segundo plano. É comum um gestor tomar uma decisão de compra ou venda de energia e, em seguida, questioná-la diante do comportamento do mercado, principalmente este está reagindo à estimativa de preço de empresas respeitadas. Nestes momentos, o certo é revisitar com cuidado suas premissas, e se após estas análises, continuar acreditando nos próprios cenários, aproveitar o comportamento do mercado para atuar em favor da posição.

Aversão a perda. As pessoas tendem a tratar perdas e ganhos de formas diferentes, para elas a dor da perda é maior que o prazer do ganho e isto as leva a correr mais risco para compensar um prejuízo. Um exemplo típico é quando um gestor compra energia futura a R$200,00/MWh, o preço cai para R$180/MWh e ele não vende porque está com prejuízo. Neste caso o correto seria ele vender esta energia se ele acreditasse que o preço poderia cair mais no futuro e não ficar comprado correndo o risco do prejuízo ser ainda maior.

A atividade de trading, seja em energia, commodities, ações ou outros valores mobiliários além de requerer profundo conhecimento técnico, também requer um monitoramento comportamental constante para evitar erros cognitivos e vieses comportamentais típicos.

Autora:
Daniela Fusco Alcaro
Sócia – Stima Energia