Agenda Regulatória 2020

Mercado livre de energia comenta questões de mercado que não deveriam atrasar a tramitação do novo marco elétrico no Brasil
27 de março de 2020

O Mercado Livre de Energia é operado com base em diversos mecanismos que regulam a atuação das instituições para garantir qualidade, segurança e sustentabilidade do mercado. Tornar comum o conhecimento das especificidades deste cenário é um fator importante para fortalecer o setor como um todo.

Neste sentido, nós da Stima buscamos contextualizar as variáveis que compõem este ambiente, por meio de análises e artigos de temas atuais. Em nossos últimos textos, falamos sobre meteorologia e o período úmido de 2020 e os principais fatores que afetarão os preços de energia em neste ano. Neste artigo iremos discorrer sobre as expectativas em relação ao futuro próximo.

No final do ano passado, a ANEEL divulgou a Agenda Regulatória para o biênio 2020/2021, tratando sobre temas que devem ser abordados nos próximos anos para o setor de energia. Com base nessa agenda, a Abraceel (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia Elétrica) ressaltou algumas das ações mais relevantes para as comercializadoras e vamos abordar alguns destes tópicos a seguir.

Grupo de trabalho da modernização do setor elétrico

O Grupo de trabalho da modernização do setor elétrico (GTMSE) faz parte de um processo mais amplo que se iniciou na Consulta Pública 33/2017, cujo objetivo é construir um consenso sobre grandes diretrizes desta modernização. O GTMSE possui em seu plano de ação atividades que se desdobram em temas de grande importância para o setor, como a separação de lastro e energia, redução e racionalização de subsídios, sinalização eficiente de preços, expansão do sistema com segurança e confiabilidade, inserção de novas tecnologias e a ampliação do mercado livre. Estes e outros assuntos farão parte da agenda do GTMSE ao longo dos próximos três anos.

Mecanismo de Realocação de Energia (MRE)

Também sob o escopo do GTMSE está a revisão do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE). Um dos principais pontos de melhoria do MRE consiste em ajustar as Garantias Físicas das usinas diante de um sistema que está se tornando cada vez menos hídrico e com maior participação de novas fontes de geração de energia – eólicas, solares, importação, entre outras. Tais fontes que são despachadas independente do ONS deslocam a geração hídrica quando a geração é maior do que o planejado, e isso impacta diretamente o equilíbrio do MRE. Este é somente um dos exemplos de como a matriz energética pode mudar com o tempo e afetar o equilíbrio do MRE.

Previu-se que o MRE podia apresentar possíveis desequilíbrios e para ajustá-los foi criado o Decreto nº2655/1998. Este Decreto estabelece que a revisão da Garantia Física seja realizada a cada cinco anos, ou na ocorrência de fatos relevantes, e seja limitada a 5% a cada revisão e a 10% do total valor original da concessão. Hoje acredita-se que tal prazo de revisão seja muito dilatado diante das mudanças estruturais e sistêmicas observadas nos últimos anos. Na prática, o que se observou desde a publicação do decreto foi apenas uma revisão em 2017, alterando a garantia física de algumas UHEs em até 5%. Aparentemente uma revisão insuficiente diante das mudanças do sistema elétrico desde a criação do MRE.

Generation Scaling Factor (GSF)

Diretamente ligado ao MRE, o chamado ‘problema do GSF’ também está em pauta e é uma das questões mais importantes da agenda de 2020. Por conta de liminares concedidas à algumas geradoras hidroelétricas, há um valor de R$ 8,24 bilhões que não está sendo liquidado no mercado de curto prazo da CCEE. A polêmica em torno do GSF se iniciou em 2015 quando alguns geradores se recusaram a reconhecer o risco não hidrológico, como o despacho fora da ordem de mérito e o atraso em linhas de transmissão. Até o início de fevereiro, havia uma proposta para tratar o tema no judiciário, no entanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) retirou-a da pauta recentemente. O que se espera agora é que a solução venha por projeto de Lei e que seja votada no Congresso o mais brevemente para que a inadimplência seja solucionada até julho.

Autorização de comercializadores

A regulamentação de autorização de comercializadores é outro ponto que está presente na Agenda Regulatória. Dentre as ações a serem tomadas, já no primeiro semestre deste ano, estão a abertura de uma Consulta Pública com Análise de Impacto Regulatório e proposta de Resolução Normativa. Posteriormente, será realizada uma Reunião Pública Ordinária para apresentar as conclusões da Consulta.

Atualmente, para atuar como uma comercializadora, a empresa deve atender à Resolução Normativa 678/2015. Contudo, está em estudo a adoção de novos critérios mais restritos para adesão de agentes comercializadores na CCEE, que inclui a análise de relacionamento dos sócios com agentes em monitoramento, obrigatoriedade de apresentação da estrutura societária até o último nível de pessoa física e informações financeiras adicionais.

Chamada de margem semanal

Proposta pela CCEE com o intuito de aumentar a segurança do Mercado de Curto Prazo, a chamada de margem semanal propõe a alteração na frequência do aporte de garantia que, atualmente, é calculado com base mensal.

A discussão central desse tópico é o custo-benefício desta medida. Está claro que haverá um custo de antecipação de caixa para os consumidores livres, mas os benefícios em termos de melhoria na qualidade de crédito são questionáveis. Para se ter uma ideia, os casos de empresas que quebraram no início de 2019 não seriam evitados com a medida proposta. Tais casos aconteceram devido a discrepância entre os compromissos financeiros futuros de entrega de energia e a sua liquidez imediata, algo que consegue ser evitado apenas com uma criação de uma “clearing”, pois esta entidade conseguiria ter uma visão sistêmica do risco do crédito e seria responsável por centralizar o risco do mercado de comercialização de energia. Na inexistência de “clearing”, a importância do entendimento e investimento em análise de crédito pelos agentes de mercado é crítico para sustentabilidade das companhias.

REN 482 – GD

A Resolução Normativa 482/12 (REN482) trata sobre a micro e a mini-geração distribuída, possibilitando o usuário gerar a sua própria eletricidade a partir de fontes renováveis e conectar seu sistema à rede, recebendo créditos de energia na forma de descontos na conta de luz. Seu conteúdo passou por dois processos de revisão em 2015 e 2017.

O que se discute atualmente é a redução do subsídio dado a consumidores e produtores de Geração Distribuída. A separação entre a tarifa de energia e fio (demanda) é o ponto central, onde produtores de GD passariam a pagar também pelo uso da rede em sua totalidade, uma vez que fazem uso da rede elétrica ao exportar energia durante o dia (quando os painéis solares produzem) e consumir a noite. As mudanças são necessárias, pois a falta de cobrança da tarifa fio em sua totalidade e a taxa exponencial de crescimento da GD tornam incompatível a sustentabilidade de longo prazo da rede de distribuição. A manutenção das atuais condições, no limite, faz com que toda conta de manutenção e remuneração de rede recaia sobre os usuários remanescentes do sistema tradicional de distribuição.

A agenda de 2020 será intensa e os temas mencionados são complexos e abrangem diversos fatores, além dos que já foram citados. No entanto, nosso objetivo inicial é apenas apontar algumas das principais ações do setor neste ano. Nos próximos meses, nos aprofundaremos nesses e em outros temas de relevância que envolvem o Mercado Livre de Energia.

É evidente que as mudanças citadas têm alto potencial de impacto no setor, com alterações que afetarão não só as comercializadoras, como também outras instituições que integram as áreas de geração, distribuição e transmissão. Desta forma, continuaremos acompanhando as ações do setor e os impactos para os agentes do setor elétrico.

Autor:
Rodrigo Violaro
Partner – Stima Energia